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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Nós, bataguassuenses, a nossa História e o que deixaremos para nossos filhos e netos.


Nós, bataguassuenses, a nossa História e o que deixaremos para nossos filhos e netos.

      Alguém já escreveu que a História, em termos humanos, é feita de sucessivas biografias. Desnecessário ser gênio para entender que tudo e todos fazem História. Ela está no ar que respiramos e nesse exato momento fazemos História, brancos, pretos, índios, garis, senadores, coveiros, médicos, coletadores de palha de buriti, enfim.
No passado a História era norteada pela conveniência de quem a contava, seja o historiador, o jornalista, os próprios órgãos etc. Chamamos isso de Velha História. Nela o acontecimento não era visto de maneira imparcial. Os grandes feitos eram atribuídos às pessoas que estavam no topo da pirâmide. Quando um pobre se sobressaia e precisava ser contemplado na História, o faziam de maneira diluída, superficial. Quando era negro, piorava situação. É só re-observar os livros didáticos d’outrora como pequeno exemplo.
Tendo tomado conhecimento do episódio da demolição da residência onde morou o Sr. Ênio Martins e a D. Diva Câmara Martins, cuja história (política e social) todos nós – pessoas mais velhas, filhos de pioneiros – conhecemos em detalhes, surpreendi-me por um prisma. Mas por outro prisma, compreendi friamente.
Óbvio que se tratava de um exemplar cheio de história e significados. Construção muito bem feita, datada de 1964 e moderna para o seu tempo; uma das primeiras casas de alvenaria de Bataguassu. Transformá-la num museu era nobre demais para ser verdade. Seria muito altruísmo e desprendimento.  Mas algo é digno de reflexão: Quando eu morava aí em Bataguassu, D. Diva já havia me dito que pretendia tornar sua casa um Museu. O mesmo ela disse a minha irmã Regina, em entrevista.
Precisamos lembrar que D. Diva era uma pessoa muito esclarecida, tinha consciência de que a palavra falada é levada pelo vento – não vale quase nada nos dias de hoje – e a palavra escrita em papel (e registrada em cartório – diga-se de passagem) torna-se oficial. A coisa transformada em testamento torna-se inviolável, mesmo que herdeiros a contradigam.
Mas isso não foi feito. Até mesmo a própria D. Diva cometeu esse lapso, provando o quanto somos humanos e falhos. Ela que passou a vida elaborando os documentos mais sérios em termos cartoriais, sabia melhor que todos, que em termos legais vale o que está no documento assinado e reconhecido. Não havia e tampouco há de que reclamar hoje. Resta reconhecer o que sobrou da cidade e buscar políticas públicas para manter. Existem, inclusive, outros exemplares contemporâneos e até mais antigos.
A matéria feita no jornal Perfil News traz depoimentos de um neto tecendo críticas aos tios que escolherem herdá-la nos moldes tradicionais, ignorando o gosto da mãe/avó. A atitude da família, embora chocante, não é crime, é apenas lastimável. Indiretamente houve uma opção pela demolição, uma escolha em não acolher o pedido da própria genitora. Quem somos nós?
O povo brasileiro, salvas algumas exceções, realmente está anos-luz de entender e brigar pela salvaguarda de sua História e de sua Memória. Num exemplo simples, podemos usar a nossa própria Bataguassu. Quem sabe quem foi Ênio Martins? E Diva Câmara Martins? Qual o legado deles? Suponhamos que alguém distribua por Bataguassu 200 pesquisadores de História Oral e os mesmos façam essa pergunta em todos os quarteirões de toda a Bataguassu.
Com todo o respeito que eu sempre tive e permanecerei tendo por esses dois cidadãos bataguassuenses, mas pouquíssimos responderão com propriedade. Muitos não saberão nada. E agora, com a demolição da casa na qual germinou muitos projetos, cúmplice da História da cidade, inclusive Peri Martins morreu nela num dia de eleição (meu pai contava isso com detalhes), o ex-governador Wilson Barbosa Martins (in memorian) se hospedava ali, pois era irmão do Sr. Ênio, etc etc etc, jogou-se uma camada de pó ainda mais fornida sobre a história dos mesmos. A referida casa garantiria a preservação de suas memórias, já que seria um Museu, e nela residiria uma excelência nesse aspecto. Infelizmente poucos lêem a ponto de desconhecer detalhes básicos da nossa História.
A mesma pergunta poderá ser feita sobre Jan Antonin Bata – pasmem – o fundador do município! Qual bataguassuense é capaz de falar com fluência sobre ele? Alguém pode discorrer sobre Isac Cardoso Lopes? Dalvina Dias Barroso? O legado cultural de Júlio de Oliveira Filho? O sino doado à Matriz. Quem o fez? Quem pode dar uma palavrinha sobre Domício de Aragão Bulcão? E o professor Bulcão da época dos Lima? Iracema Sampaio? Shiguetsugo Kawanamy? Quem ousa dizer algo sobre Joaquim Simplício da Silva? E o próprio construtor da casa da D. Diva, alguém sabe? Sobre isso, em breve postarei um texto pertinente.
Embora alguns possam entender de outra forma, eu não estou diminuindo ninguém, apenas reflito uma problemática real, abstido de emoção. Haverá, sim, quem poderá falar sobre tais pessoas com propriedade, mas quantos bataguassuenses? Quem? Onde estão? Poucos se preocupam com a História e a Memória. Prova disso é que nas redes sociais houve quem criticasse quem criticou a demolição. Vi até – pasmem – professores com tal discurso. É o fim da picada, pois o olhar de um professor deve educar.
Mas, voltando à reflexão inicial sobre a História ser de todos. Precisamos ler sobre a Nova História, os olhares modernos de grandes historiadores e excepcionais jornalistas que estão recontando as mentiras que nos contaram na escola do passado. Nosso olhar deve ser crítico quando o assunto é História, por mais que espaços de memória nos emocionam. Gestores visionários e competentes de todas as épocas devem levar a juízo popular seus projetos quando pretendem mexer em prédios e espaços públicos.
Falta à grande parte do povo, com todo o respeito, reconhecer que foram educados de maneira a endeusar uns e esquecer outros. Recobrimos alguns de louros e pedras preciosas em detrimento de diversos atores da História, muitas vezes simples, mas tão importantes quanto o outro. O correto é que todos sejam referenciados, do contrário não estará contando a História, mas a história “conveniente”. A História deixa de ser História quando omitimos parte de seus atores em detrimento de preconceitos e estigmas de várias espécies.
Não foi boa para a História de Bataguassu essa demolição, mas era direito da família. Ninguém deve obrigar ninguém a agir com altruísmo. A atual demolição é diferente da ação imperdoável contra o prédio original da Prefeitura Municipal, verdadeiro atentado à História, mesmo não sendo tombado. Era um patrimônio histórico municipal por excelência. Mesma coisa a Praça Jan Antonin Bata. Foram construções pertencentes, por excelência, ao Poder Público. Não careciam ser compradas, muito menos ser vendidas ou descaracterizadas.  
Ver aquelas “caixas de sapato” no lugar do belíssimo exempla demolido sem necessidade, fere o olhar dos que tinham consciência daquele grande monumento. Negaram aos nossos filhos e netos o direito de contemplar a sua História. E quando derem conta será tarde.
Mas é isso. Fazemos o que somos.
Deixo essa reflexão por hoje, esperando que possa servir a alguém. Urge às autoridades se reunirem e elegerem definitivamente o que pretendem salvaguardar de Bataguassu, buscando a melhor forma de aquisição, acaso consistirem em patrimônio privado. Ao povo, resta tomar consciência e reconhecer que é parte dessa decisão.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Pedra escrita


Mestre Vespasiano contou
Como erguiam as paredes de pedra de igreja antiga.
Muitas, guardadoras de segredos de geometria,
Perfeitavam que nem modo de feitas a tijolos.
Alguns mestres eram tão poéticos
Na composição
Que se demoravam dias atestando exatidão de pedras;
Era quase especialidade.
O segredo está no encaixe sem sobras ou saliências, dizia.
Enquanto narrava as engenhosas técnicas,
Eu associava o seu mister à escrita.
O escritor cuidadoso tem de construtor cuidadoso.
Escreve paredemente, ao modo de lesma atrepando,
As palavras precisam rastejar solenemente desapressadas,
Necessitam de harmonia para se vestir de poesia.
Pedem encaixe e exatidão.
Palavra deslocada é igualmente pedra deformada.
Promove protuberâncias,
Deixa folgas,
Gera equívocos.
Parede de pedra troncha é poesia de palavras tronchas.
Todos os rebocos serão insuficientes para ocultar suas imperfeições.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Roosevelt

Inauguração do marco do rio Roosevelt, antigo rio da Dúvida. Da esquerda para a direita, George Cherrie, naturalista americano, Ten. Lyra, Cap. Médico Dr. Cajazeira, Roosevelt, Rondon e o engenheiro Kermit, filho de Roosevelt João Salustiano Lyra/ Museu do Índio/Funai
***

Disse-me o senhor Ambrósio Lemes Galvão,
Sulmatogrossense de 104 anos à época,
Ter se encontrado com o
Presidente dos Estados Unidos
Nas matas do Mato Grosso,
O feito deu-se na barranca de aportamentos de barcos,
Às margens do Pardo.
Contou que Rondon era o cicerone.
Julguei ser delírio de idade,
Um cérebro passado de cem anos poderia desparafusado.
O que faria um homem tão importante numa selva de garças?
Eu tinha uma quinzena de anos à época dessa contação.
Muitas primaveras depois esbarrei-me no livro:
Nas Selvas do Brasil, de Teodore Roosevelt,
Ex-presidente dos Estados Unidos.
Era o seu relato de viagem nas selvas do Matos Grosso.
Veio explorar e cartografar o rio da Dúvida em 1912.
Constatei verdadeira a história do velho Ambrósio,
Exceto o crédito de presidente dos estados Unidos.
De fato ele o fora por dois mandatos,
Mas tendo fracassado na terceira tentativa,
Veio ao Brasil navegar o Dúvida
Que hoje tem o seu nome.
O velho Ambrósio era
Memória viva de coisas inimagináveis.
Quando ele desencantou-se
Senti como se enterrassem uma
Biblioteca repleta alfarrábios
Raros
E era

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Seu Aparício

Para o Seu Aparício nem tudo carecia nome batismal
Tudos estavam certos para ele
De dizer que uma miríade de insetos chiava, dizia:
- Esse magote de bicho fica aí aos zimbolé zuano os ouvido da gente
...
Um dia colhi essas frases de sua árvore:
- Esse menino, pegue aquilo acolá e mi dê
- Meu bichim, venha cá
- Vô mi adeitar um poco
- Dona minina, o que a sinhora quer?
...
- Tô cuma dô isquisita no meu estambo
Minhã vô aplantá uns feijãozim di corda
- Tô cuma agonia nas tripa, parece que tem um sino bateno
- Uma veizi eu peguei téti quandi pisei um prego véi inferrujado
- Alumeia aqui pra mim, meu fii
- Ais veis eu sinto umas facada aqui no pé da barriga, uma dô fina
- Asmanheci com os espinhaço doendo que só
Intonci qué dizé que u minino adueceu?
- Fulano tá cum cançu
- A meu saber ela não tá em casa
- Parece que levei uma paulada nos quarto
- Não põe muito sar no de cumê, não, viu!
...
Os filhos e netos rezavam na cartilha do Seu Aparício
(Inté inovavam):

- Tudo bem, coisinha?
- Seu coisinha, o qui o sinhô qué?
- Tira esse breguesso daí!
...
Seu Aparício conhecia a voz do mundo por experiência
Não por ciência.
Dizia:

- O burro martelava
- O gato gemia
- A galinha gritava
- O sapo piava
...
Olhava para o céu e dizia:
- O céu tá talhado. É chão molhado!
...
Qualquer coisa era coisa
Quando faltava verbo, coisar resolvia.
Se Aparício tinha partes com Camôes
Ou com o galegos português?

terça-feira, 4 de julho de 2017

Escrever

Escrever é palavra de raiz latinha
Vem de escre, que significa escrita
E ver, que significa olhar (com curiosidade!)
É por esse estado de coisa que existe o ditado
"Tem que ver para crer",
Penso mais composto dizer
"Tem que ver para escrever".
Algumas poesias jorram sons
Guinchos de macacos
Murmúrios de rios
Rajadas de vento...
Mas os alfarrábios contam que predominam as silenciosas.
Poesia é olhamento
Quando digo que as joaninhas viveram estágio de crocodilos
Não falo surrealismos
Falo verdadeirismos
Testemunhei as larvas saindo dos ovinhos
(Foi no corgo Guaçu)
Depois de algumas horas descrocodilizaram,
Metamorfoseando-se em joaninhas
Flagrei o escaravelho carregando carniça para aninhar seus ovos
Encontrei zigue-zigues descapsulando-se iguais aos pernilongos
Deparei-me com o ninho de serpentes iguaizinhas às minhocas
Por isso proclamo:
"Tem que ver para escrever"
Quando escrevo
Falo o que vi
(Inspiração é mero assessório)
A escrita é escrava da visão.
Poesia é visão escrita
Exige olhos apurados,
(às vezes traduzem imagens guardadas dentro de nós).
Gaviões têm estigmatismo diante dos poetas.
Certo dia um doutor falava a uma gigantesca plateia,
O poeta escrevia sobre a aranha que tecia rede na cortina
Rabiscava o que via
Desescutava o palestrante entretido com poesia em tecimento.
Não é regra entendimento por escutação
Nem por ascultação
E sim por visão.
Resumindo os explicamentos:
Para o poeta a sonoridade é relativa
Uma pedra pode falar mais que mil gralhas
Mil gralhas podem guardar mais silêncios que todas as pedras
Dependerá da visagem do poeta
Escrever tem esses conformes.

Lagartas verdes

Tinta verde verdadeira é prodígio de lagartas
Depois de anos de suspeitas
Descobri todo o processo:
Vem precisamente das lagartas verdes
Não sei se elas desaparecem as árvores ou as árvores desaparecem elas
Mas é fácil encontrá-las
Basta ver grãos de tinta no chão
Há uma máquina dentro delas
O fabricamento se dá assim:
Eis que primeiro elas escolhem bem as folhas
(Tem que ser novinhas)
Depois passeiam a refeição
Carece percorrimento de árvores
Rastejamento
Subimento e descimento do meio do corpo
Assim ocorre o transformamento de folha em tintura
Quando estufam de cheias, descomem tudo
A tinta sai por um buraquinho no final da lagarta
São grãozinhos secos concentrados
( Miniatura de grão de cabrito)
Basta misturar na água
Um pincel aquarelecerá paisagem no papel.
Beleza mesmo é depois de passar verniz de vidro mole

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Borboletas azuis


As meninas da minha época pegavam o pó de arroz da irmã mais velha às escondidas
Esse cosmético era cor de rosa ou cor da pele
Muito tempo depois surgiu o que chamavam sombra para os olhos
Se naquela época tivessem me consultado
Teriam ficado famosas como pioneiras da sombra azul
É que sou o inventor desse produto
Minha especialidade era o pó cintilante azul
Descobri-o por acaso
(Assim como Niépce descobriu a fotografia)
Foi passeando pelas matas quando vi um panapaná de borboletas azuis em estado de procriação
(Verdadeira cortina dependurada nas árvores)
O chão estava atapetado das que morreram
Recolhi uma porção para apreciá-las
Depois de muitas análises
Minha mão ficou azul cintilante
Igualzinho a Arquimedes surgiu a ideia
Obviamente não foi de fazer pó compacto, nem sombra para olhos.
Então enxerguei o descobrimento pelos olhos da pintura
Enchi uma lata de extrato de tomate Elefante só com asas
Não confunda minhas palavras
Não é que o elefante tinha asas
Elefante era a marca do produto
Enchi a lata com asas de borboletas
Pilei até virar pó
Nunca vi uma cor tão atraente
Igual a Césio
Era cintilante e de comportamento pastoso, embora seco
Eu usava para dar poesia aos desenhos
Depois invernizava com cola de vidro mole
Com certeza as meninas teriam ficado famosas como precursoras da sombra azul
(Juro que passaria a patente para elas)
Quem sabe teriam se projetado internacionalmente como inventoras da sombra azul cintilante para olhos.
Quem sabe as maiorais da perfumaria internacional as tivesse descoberto.
Com certeza aquelas meninas seriam milionárias.
Agora é tarde...

Amolecedor de vidros


Havia nobreza naquela árvore:
Escorria vidro
Vidro mole igual a mel de abelha
Depois vitrificava
(Isso quer dizer endurecia)
Não igual ao que Trimálquio conta em Satiricon
Mas ao ponto pedra.
Uns homens sabidos chegados de Ponta Porã
Inventaram dizer
Resina, âmbar, pez...
Era muito cientificoso o palavreado
Eu preferia acreditar na vizinha alemã:
Aquilo é choro de árvore
Como sempre fui descobridor
Descobri que mergulhando o vidro na água
Magicava verniz
Magicava cola
Tudo eu colava com vidro mole
Tudo eu envernizava com vidro mole
Tornei-me amolecedor de vidros na temporada das pipas
Como disse Lavoisier
Na natureza, tudo que é mole, endurece, e depois amolece...
E se quiser reendurece.


Estrada boiadeira

A cidade era cortada por uma rodovia
Quando ia-se a Campo Grande via-se um resto de estrada do lado esquerdo
Igual que contorno.
Dava dó daquele caminho órfão
Sem pedras
Sem piche
Sem placas de sinalização
Sem viajantes...
Nem bêbados andarilhavam ali
Às vezes desaparecia de mato
Reaparecendo adiante, acanhada,
Depois se desprezava de rio
Mas possuía algo importante:
Sabia impor-se,
Mesmo manchada de árvores, resistia.
Enquanto meu corpo viajava de carro
Meus olhos viajavam dela,
Percorrendo-a
Num verdadeiro esconde-esconde.
Por que tanta curiosidade?
Meu pai disse que era a antiga estrada boiadeira
(Onde passaram as comitivas dos desbravadores do Mato Grosso no século XVI).
Igual as telas de Hercules Florence.
Caminho do gado tocado a berrante para São Paulo
Caminho dos carros de boi transportando pessoas e víveres
Para Campo Grande, Cuiabá e Corumbá...
Caminho da Carmelita trazida do Paraguai por Manoel da Costa Lima.
O fiapo de estrada tinha modos de desprezo
Por isso fascinava
Estradas boiadeiras são partes do corpo do Mato Grosso do Sul
São bondosas
Saudosistas
Nunca mataram animais silvestres
Muitas voltaram a ser veredas
Substituídas pelas serpentes de piche.
Tudo o que é bonito fica feio por último.

Os ofaiés-xavantes


A praça Jan inchava de bugres aos finais de semana
Tinha gente velha e nova
Até criança
Atravessavam o dia versejando língua estranha
Dialeto magnífico
Tenho que aquelas palavras são ensinadas pela mata
Pois tinham sons de bichos
De ventos,
De árvores
De rios
Certa vez eu comia um doce de abóbora
(Daqueles em formato de coração)
Um bugrezinho aproximou-se e disse:
Comendo quero doça dá
Estranhei a macarronice verbal e dei-lhe a iguaria.
Ele falou mais com os olhos e gestos que com palavras
Eu tinha curiosidades igual aos Villas Boas
Curiosidade de saber indiologias
Mas os mais velhos eram arredios
Não gostavam de conversar com gente branca
Gente não índia
Eu sempre dava um jeito de aproximar-me para ouvir o incompreensível
Era uma fala verde
Silvestre
Parecia palavras de bichos
Conversa de índio traz a mata para perto
E os céus nublam de pássaros
Às vezes a pronúncia de uma vogal parece saída da língua pregada no céu da boca
Outrora parece vinda dos canglores da garganta
Uma rouquidão estranha
Às vezes era gutural grave, rápido
A praça passava o dia desfrutando índio
Já quando a tarde dava sinais de desaparecer
Eles também desapareciam
Na estrada do Sapé
Comiam mandioca com caititu e abóbora com coelho do mato.
Hoje quem sabe comem água da Urubupungá.