Translate

sexta-feira, 1 de julho de 2016

GUAÇU, A LENDA DE Y’PORÃ.

Essa pintura é meramente ilustrativa

Amanhece. O cheiro de orvalho e o canto dos pássaros são intensos. José caminha numa vereda acanhada, envolta em mata abundante. Muitas árvores, de tão longevas, têm altura e diâmetro majestosos. Dez homens não conseguem abraçá-las. Cipós, parasitas e mata rasteira formam um emaranhado quase intransponível. Por vezes a vegetação é tão densa que empresta à estradinha aspecto de túnel. Há figueiras, peroba-rosa, pindaíva, pimenta-de-macaco, pau-pereira, mate, jacarandá, ipês, tarumãs, paineiras, cedro-d'água, jacaratiá, pequi, imbaúba, angelim, pau-ferro, murta, sapucaia, louro-amarelo, sarandi, angico-vermelho, quina, cambará, marolo e uma infinidade de exemplares nativos. Uma capela de macacos faz malabarismos, guinchando entre os cipoais. Quando em vez ele sente o perfume de lindas e variadas flores voejadas de abelhas. O cenário bucólico lhe permite imaginar-se no Jardim do Éden. E nesse eflúvio ele deixa as suas passadas na terra vermelha e macia. De tão agradável, é indescritível a sensação. Logo ouve o som de água corrente. Ao aproximar-se vê um índio jovem por detrás de um frondoso 'jatobazeiro'. A árvore é muito alta e o rapaz mira o seu arco para o alto, visando atingir a caça escondida na sua fronde. Era justamente um macaco. Mas José fracassou os planos do selvagem caçador ao pisar num galho seco de 'pau-terra'. O estalo afugentou o animal que disparou entre os cúmulos nimbos formados pelas copas de incontáveis árvores. Quem é você? perguntou o índio. O que fazes aqui? Envergonhado, José explica-lhe não ter sido sua intenção interromper a caça. Mas o índio mostra-se simpático, explicando que não seria difícil encontrar centenas deles pelas redondezas, pois são atraídos por toda sorte de frutas ali existentes. Mal disse aquilo uma revoada de araras azuis acampa na fronde de uma centenária 'gameleira', cujas raízes - imensas - retorcidas - invadem as águas como verdadeiras serpentes. José pergunta que córrego é aquele. O jovem explica que eles o denominam 'guaçu', que significa grande. O córrego tem vinte e cinco palmos de largura naquele ponto e profundidade que chega ao peito do índio. Suas águas são cristalinas e tomadas por peixes. Os cardumes ziguezagueiam n´água fingindo serem monstros para assustarem as 'piramboias' e os peixes maiores. José se apresenta ao selvícola. O jovenzinho diz que seu nome é 'Yporã', ou seja, 'água boa', pois nascera às margens daquele córrego piscoso quando ali existira uma aldeia e bela roça, mas sua tribo se enveredara pelas margens de um rio mais adiante, cujos 'homens brancos' o chamam 'Pardo'. É costume de seu povo manter aldeias temporárias para que a natureza se recomponha. Em pouco tempo os dois jovens conversam como se conhecessem há anos. José indaga o companheiro sobre o motivo de um córrego tão pequeno ter nome de coisa grande. Ele responde que o homem branco infelizmente não entende quase nada da sua cultura. Para os povos indígenas as coisas grandes nem sempre denotam o tamanho, mas a qualidade, o significado ou sua nobreza. Para 'Yporã' o córrego 'Gu'açu' valia muito mais que o ouro que os brancos tanto buscam, independente de ser pequeno, pois era uma fonte de vida. Explica que toda a natureza deve ser reverenciada, pois dá ao homem tudo o que ele precisa. José fica perplexo com aquelas explicações tão sábias, dadas justamente por um jovem índio. O nativo diz existir um 'Deus' chamado 'Tupã', o qual criou tudo aquilo e os presenteou. Mas alertou-lhes que cuidassem muito bem, pois somente respeitando a natureza teriam vida e alimento para a eternidade. 'Yporã' contou que a Terra era a mãe dos povos indígenas, pois de suas entranhas sai a água que alimenta tudo o que vive sobre ela, ou seja, as árvores, os frutos, os bichos e os homens, e que eles devem tirar o seu sustento dessa criação divina com harmonia. O bom filho respeita e cuida da sua mãe. Assim fazemos, pois queremos ter nossa mãe sempre ao nosso lado, finalizou 'Yporã', vendo cruzar o córrego, uma manada de 'cachaços' grunhindo e batendo as enormes presas. José continua maravilhado com aquelas explicações tão bonitas. Ele não entende como um índio – considerado selvagem – detinha tanta sabedoria, e ele, sendo um homem branco e civilizado, não aprendera aquilo sequer com seus pais. Após muita conversa decidem empreender uma viagem pelo córrego, vencendo os mais inusitados obstáculos. Num determinado trecho sentem-se num labirinto, cujos cipós 'timbós' e troncos de velhas árvores mortas se encarregaram de formar uma barreira natural, represando as águas. Os materiais orgânicos, acumulados ao longo do tempo, deram origem a uma cascada. Coisa que só a natureza e o tempo fazem. Ali os dois aventureiros se sentam, deixando os filetes grossos do precioso líquido cair sobre suas cabeças. Uma gigantesca sucuri hiberna num emaranhado de cipós e folhas, certamente ignorando-os. José teve medo, mas "Yporã" brinca, dizendo que o animal não lhes faria mal, pois digeria alguma presa e nessa condição age como lesma. Logo os amigos estão a muitos passos dali. Um poço cheio de peixes pouco maiores que um palmo surgiu como feitiço. José maravilha-se com o que vê. Pula junto ao cardume, o qual começa a dar-lhe mordiscadas ligeiras causando-lhe cócegas. 'Yporã' conta-lhes que os índios gostam de pescar ali. Logo à tardinha eles colocam 'covos' ou 'paris' em pontos estratégicos da água. Dentro deixam um pedacinho de carne de alguma caça. Ao amanhecer as armadilhas estão cheias. Sua tribo aprecia peixe 'moqueado'. Conta também que eles variam o modo de pescar. Se estão no 'rio Pardo' usam canoa, flecha ou uma vara de ponta fina, pois os peixes são grandes. Explica-lhe que alguns índios pescam com cipó 'timbó'. Eles cortam o galho grosso, retorcem para sair o sumo e batem na água. A substância faz com que os cardumes fiquem anestesiados e emerjam, pois é uma espécie de veneno. Desse jeito os índios pegam os peixes grandes com as próprias mãos. Os menores são levados pelas águas e recobram os sentidos aos poucos. Nós só matamos aquilo que consumimos - ressalvou o nativo. Mais adiante José vai constatando que as margens do córrego têm uma compleição diferente. O barro é mais pastoso e acinzentado. Umas dúzias de capivaras descansam calmamente sobre a lama, não se importando com os dois seres que parecem parte delas. 'Yporã' mostra-lhe fragmentos de cerâmica ali deixadas por seus antepassados. Com aquele barro sua avó 'Kauane' molda vasilhas diversas para armazenar água, produzir 'cauim' e outras iguarias. As peças, depois de secas à sombra, são colocadas sobre pedras, cobertas com folhas, gravetos e troncos secos. Passam um dia inteiro queimando. José admirou um pedaço grande de cerâmica, semelhante a uma bandeja. 'Yporã' explica-lhe que naquelas peças são preparados 'beijus' e 'tapiocas. As placas de cerâmica são colocadas sobre trempes com fogo. Depois de aquecidas eles espalhavam a goma ou massa de mandioca, que, aquecidas, se aglutinam, formando uma espécie de bolachão. Tais iguarias são consumidas com peixe e caça. Alguns molham em cauim, outros em pimenta. A conversa é encerrada pela movimentação de lontras chafurdando na água. A mãe, temerosa de se tornar presa de algum animal, atrai a filharada para túneis lamacentos, sob o tronco de uma ingazeira debruçada no córrego. No topo, um bando de papagaios degusta os 'ingás'. Os fragmentos da fruta caem n'água, alvoroçando centos de peixinhos. Ao lado, na fronde de uma 'mangabeira', periquitos apreciam seus frutos, num barulho infernal. Contraditoriamente, uma capela de macacos bate 'jatobás' nos galhos de uma velha ‘aroeira’, quebrando suas cápsulas e se deliciando com a polpa do caroço. 'Yporã' explica que o barulho dos bichos não assusta uns aos outros, pois é estratégia para afastar animais intencionados a caçá-los. Em poucas passadas a mata invade o rio, que vai se diluindo lentamente num varjão sem fim. Uma nata vermelha em meio a uma espécie de grama se expande pelas margens, descortinando a paisagem deslumbrante do 'rio Pardo'. Um bando de 'pacas' caminha por uma clareira natural. Os filhotes, espertos, fazem por onde não se perderem dos adultos. Logo adiante, 'seriemas' bicam um imenso cupinzeiro, alimentando-se fartamente. Um bando de 'veados-campeiros' descansam sob uma figueira. Em outro ponto a paisagem se torna rósea de 'tuiuiús' caminhando elegantemente pelo varjão, contrastando com a brancura das ‘garças’. Ali se encerra o córrego "Guaçu". As águas apressadas do gigantesco rio deslizam silenciosamente, envolta por mata cerrada. Na outra margem uma família de onça pintada vive momentos de lazer. O pai, de porte majestoso parece montar guarda sobre o galho de uma "perobeira-rosa" que avança sobre as águas. A mãe-onça lambe suas crias, sem manifestar qualquer preocupação. O céu azul-escuro, pincelado de extratos cirrus prenuncia chuva. Uma revoada de canários colore a paisagem de amarelo. As frondes das árvores estão multicoloridas por toda espécie de aves, certamente atiçadas pela abrupta mudança no clima. Seus chilreios causam barulho ensurdecedor. José atola ora uma perna ora outra no solo pantanoso e começa a rir do próprio desconcerto. Ele não entende como o índio anda com tanta desenvoltura num lugar tão acidentado. "Yporã' tenta explicar-lhe alguma coisa - fala alto - mas ele não consegue ouvir. De repente alguém cutuca José... - “Acorda, menino, já são seis horas; tá na hora de levar a lavagem dos porcos lá pro rio ‘Guaçu’”. Não se esqueça de passar no laticínio e pegar mais lavagem de soro. Tome café e vá ajeitar a carroça. Anda menino, depressa"! NATAL 25 DE JULHO DE 2015. OBS. A PINTURA ABAIXO É MERAMENTE ILUSTRATIVA.

UMA BREVE HISTÓRIA DA FAMÍLIA LIMA E FAZENDA UERÊ


Joaquim Cecílio de Lima (irmão do Sr. Ziza) e Odilair da Silva Nogueira Lima
A família “Lima” foi a primeira a colocar os pés em Bataguassu para morar. Isso há 116 anos quando ninguém imaginava que um dia estaria num lugar com tal nome. Mas vamos explicar isso. Em 1906, depois daquele contexto que se passou com Manoel da Costa Lima, após três empreendimentos que culminariam com a rodovia de nome homônimo, os “Lima” se instalaram no “Sape”. O corajoso sertanista (com mais tempo ainda de pisadas em terras bataguassuenses) veio com a esposa, dona Luísa Nogueira e os filhos, sendo seis mulheres e dois homens: Theodomira, Izarina, Eleonora, Ovídia, Rogaciana, Deocleciana, José Luciano, José e Laurentino. Como se percebe, bastava uma família – desde que numerosa – para formar um povoado. Algumas semanas após terem se instalado no “Sapé”, veio morar com eles o sobrinho Joaquim Cecílio de Lima.
Essa preferência pelo “Sape” tem explicação. É área de varjões, água fácil, terra fértil, plana e próxima ao Rio Pardo. Por isso era ponto estratégico. Pouco tempo depois, os “Lima” deixaram o local e abriram fazendas nas imediações. A propriedade que resiste até hoje é a famosa Fazenda “Uerê”. Quem atravessa o Rio Pardo, nos fundos dessa fazenda, dá na Fazenda “Campo Limpo” (em Brasilândia) que por décadas pertenceu ao Sr. Joaquim Antonio Ferreira (pai do meu cunhado Walter Reigota Ferreira: ‘in memorian’).
Antes de o Sr. Joaquim Antonio adquiri-la, ela pertencia aos “Lima”. Não sei exatamente a qual dos filhos do Manoel da Costa Lima, embora seja fácil constatar olhando no cartório em Rio Brilhante. Nunca soube o nome original dessa fazenda antes de pertencer a Joaquim Antonio. Outra hora dou uma olhada no baú e escrevo sobre isso.
Na fazenda que pertenceu ao Sr. Joaquim Antonio, às margens da estrada, existe um cemitério onde estão sepultados vários membros da família “Lima”. Creio que o atual proprietário os tenha conservado, pois ao menos o Sr. Joaquim Antonio teve muito respeito àquele lugar.
Não me lembro exatamente dos nomes de todas as fazendas abertas pelos “Lima” nesse tempo. Sei que existiam a “Sobradinho”, do Sr. Walter (tio do Sr. “Ziza”) e “Água Limpa”, do sr. Manoelzinho da Figueira (pai do Sr. “Ziza). Algumas dessas propriedades eram distantes umas das outras. Mas, voltando à Fazenda “Uerê” (a primeira de todas). Ali se instalou Manoel Cecílio de Lima. O local era encruzilhado por picadas, estradas boiadeiras e veredas que interligavam o Sape ao rio Pardo, Três Lagoas e consequentemente ao Porto XV de Novembro e Rio Paraná. O local exato onde surgiria Bataguassu era muito movimentado, embora ainda não estava habitado, pois tudo isso se passou entre 1900 a 1912 (não vamos entrar nessa seara para não nos distanciarmos do assunto).
Tanto na fazenda Uerê quanto nas vizinhanças, a maior dificuldade era a aquisição de determinados produtos de uso diário. Faltava tudo. E foi inspirado nisso que o Sr. Manoel Cecílio de Lima montou um galpão para venda de mercadorias adquiridas em Presidente Prudente. O transporte consistia numa verdadeira odisseia. Nos trechos de terra tudo era transportado em carros-de-boi e malas carregadas por jumentos; no Rio Paraná era transportado numa moderna lancha à vapor, pertencente ao velho Manoel da Costa Lima. Esse meio de transporte (moderníssimo para a época) encheu de patacões os cofres dos “Lima” durante muito tempo. E nesse vai-e-vem surgiu a empresa “Manoel Cecílio e Filhos”, a qual atendia as imediações, inclusive o “Sape”. A cada viagem para compras ia uma comitiva composta pelos filhos homens e a “pionada”, como dizem os matogrossenses. Todos viajavam fortemente armados. Pudera!
Nesse barracão se comprava ferramentas (enxada, foice, facão, martelo etc), mangaio (arreio, sela, cabresto, ferradura, lamparina), produtos de uso pessoal (roupas, calçado, chapéu, perfume, tecidos, “creme Sacy”: era uma graxa de sapato), combustível (querosene, carboreto), remédio (água Inglesa: remédio obrigatório às mulheres, “Laxante Jubol”, vendia até mesmo um remédio chamado “Bi-Urol”, sabonetes “Gessy”- que era um luxo só, “Mitigal”: solução para coceira, “Urodonal: para dores nos joelhos e nas juntas, cansaço intelectual e físico, digestões difíceis e dolorosas – vejam que remédio milagroso!), equipamentos domésticos (panelas de ferro e alumínio batido, ferro a brasa, candeeiro movido a carbureto, torrador de café, talheres, louças, porcelana), enlatados, como Leite Moça, além de fermento Royal, armas e afins.
Muitas mercadorias consistiam em novidades excepcionais. Facas e garfos eram assessórios de luxo. Muitos comiam com as mãos. Todos traziam um canivete muito bem afiado, guardado no cinturão (servia para tudo e mais um pouco). Nesse tempo a Fazenda “Uerê” era referência na localidade. Ponto de parada de boiadeiros e viajantes. Os “Lima” também vendiam cachaça, mas eram enérgicos nesse sentido. O produto só saia para gente de confiança. E sob encomenda (justamente para não dar confusão).
Como se percebe, desde aquela época bebida e direção não combinavam, embora que os meios de locomoção fossem cavalos e jumentos. Mas contam que pelas veredas era comum encontrar carro-de-boi andando a esmo, peões brigando; outros dormindo e cachorros lambendo suas bocas. Tudo isso sob patrocínio da cachaça.
Convém destacar que a telefonia entrou em Bataguassu através dos “Lima” – embora que só entre eles –, pois as fazendas eram distantes umas das outras e a falta de comunicação trazia muitos contratempos. Guiados por postes de “aroeira” os fios cortavam as matas, unindo as propriedades. Houve caso de gente dos “Lima” que morreu e os parentes quase não puderam vir para o velório. Comunicação e transporte era o grande desafio.
A chegada do telefone, além de “encurtar” a distância e matar a saudade, acabou sendo um instrumento de segurança. A qualquer sinal de perigo, bastava dar manivela no aparelho, e pronto! Todos estavam avisados. Com a vantagem de estender o aviso às famílias que não tinham o revolucionário instrumento. A famosa “estrada boiadeira” era muito perigosa. Conhecida originalmente como “Caminho de Santana”, desde mil seiscentos e alguma coisa, essa estrada unia Cuiabá (então capital do “Matto Grosso”) a São Paulo. Por ela escoava o ouro que vinha das minas de Cuiabá. Óbvio que era precária e não tinha o traçado atual. Toda essa região era um formigueiro de veredas. A estrada só foi rasgada em conformidade com as convenções topográficas muito tempo depois – justamente por Manoel da Costa Lima, cujos feitos notáveis estão registrados na história. Este foi um herói de fato. Homem audacioso, de coragem inigualável.
Há incontáveis narrações de emboscadas para assaltar víveres, armas e dinheiro das comitivas que cortavam o velho “Matto Grosso” (tenho uma história inacreditável que me foi contada pelo Sr. Ambrósio, a qual posto em outro momento). Havia a necessidade de estar protegido dos “piratas da mata”. Esse receio fazia com que os “Lima” mais velhos vivessem rodeados de empregados, os quais ganhavam casa, comida e muita fartura. Para coroar o contexto, batizavam os seus filhos desses. Muito psicológico esse comportamento! Por falar nisso, meus pais, José Amaro Freire e Maria José Freire eram compadres do Sr. “Ziza”e dona Madalena. Eles batizaram Regina Freire, minha irmã, embora o compadrio não se dera por via do “empregadio”. Foi por amizade natural fluída nas redondezas.
Na realidade, meu pai era muito amigo do “Sr. Manoelzinho da Figueira” (pai do Sr. “Ziza”). Lembro-me de uma vez que fomos num baile na Fazenda “Água Limpa”, de sua propriedade. Meu pai colocou todos nós (menos Ademir, Paulinho e Ricardo, os quais ainda não haviam nascido) na carroceria do seu caminhão movido à manivela e lá foi a sua prole. Lembro-me que chegamos ainda à tardinha, quando os empregados estavam começando a assar o churrasco.
Recordo-me que um casal de empregados estava terminando de tirar uma tachada de doce de leite do fogo. O homem rapava o tacho com umas gigantescas colheres de pau e despejava o doce quente e pastoso sobre uma mesa fornida e grande. A mulher espalhava e outro homem cortava os pedaços. Logo outro tacho estava cheio de ‘rapadurinhas’ de leite. Nunca vi doce mais suculento e em quantidade tão grande. A iguaria formava uma casca e dentro era mais mole. O leite daquela época não tinha a química de hoje, oriunda dos produtos que o gado come ou que lhe é injetado. Foi um baile regado a churrasco, café, mandioca, arroz e... como não poderia ser diferente, muito doce de leite.
Não me lembro com detalhes, pois à época eu tinha seis anos, mas havia bebida (não sei se era tubaína ou algum suco preparado por eles). Também havia cachaça, mas era tudo familiar que dava gosto. A fartura era grande! Recordo-me que a esposa do velho “Manoelzinho” entregou para a minha mãe vários queijos e doces de leite, muito bem guardados num pano muito branco, amarrado às pontas (nessa época não existia “Tupperware”). Todo ano ele convidava meus pais para essa festa, até ter morrido e a tradição acabado.
Também me lembro de outro detalhe: eu nunca gostei de barulho. Fui o único dos meninos que adormeceu já no colo da minha mãe, a qual me levou para o caminhão. O pai levava acolchoado e cobertor na carroceria. No meio da madrugada, acordei com medo da escuridão e comecei a chorar, olhando o povo saracoteando os quartos, dançando xamamé, guarânia e vaneirão. Eu gritava desesperado, até que a mãe apareceu e tudo foi resolvido. Lembro-me também de muitas idas com o meu pai à sede da fazenda “Água Limpa” durante o dia, onde ele tinha compromissos com o velho “Manoelzinho”. Ali tomávamos banho naquele rio caudaloso que fica próximo à sede. Isso se deu no início dos anos 1970.
Mas, encerrando e voltando bem mais no passado... Em 1939 apareceu no “Sape” o Sr. Isaac Lopes Cardoso com a sua família, tornando-se um dos grandes fregueses da Fazenda Uerê. Depois findou montando ali um armazém para atender as imediações (mas isso também é outra história). O tempo foi passando e os “Lima” foram se estabelecendo em outros municípios como Presidente Epitácio e Presidente Prudente. Até hoje os netos, bisnetos e tataranetos do grande sertanista Manoel da Costa Lima vivem no local.
Em Bataguassu creio que ainda resida o Senhor “Ziza” e alguns filhos. Os “Lima” que eu conheci são pessoas de comportamento polido e não dado a muitos envolvimentos nas “badalações bataguassuenses”. Os casamentos protagonizados pela família Lima ficaram na história. Eram portentosos. Fomos convidados para todos eles.
Alguns detalhes dessa história me foram contados pelo Sr.Walter Lima, tio do Sr. “Ziza”, Ambrósio Lemes Galvão e Domício de Aragão Bulcão. Sobre o Sr. Walter, eu conversava muito com ele na biblioteca. Não sei se ele ainda é vivo. Tenho guardado os velhos e amarelecidos papéis com tais anotações. Há 11 meses estive em Bataguassu. Minha mãe contou que ele me procurou no início da década de 1990. Queria doar-me algumas velharias, certamente por saber do meu apego às coisas da História, mas soube que eu tinha viajado para o Nordeste. Não sei exatamente o que era, mas passou...
Tudo passa...

BATAGUASSU: IVINHEIMA POR UM TRIZ - HISTÓRIAS QUE NÃO ESTÃO NA HISTÓRIA

Nessa fotografia temos o governador Fernando Correia da Costa, Ladislau Deak Filho, Nelson Verlanghieri, Peri Barbosa Martins, Ênio Martins, Domício de Aragão Bulcão, dentre outros.
No dia 19 de fevereiro de 1955 foi instalado o Poder Legislativo em Bataguassu, onde todos os vereadores eleitos tomaram posse. Houve a eleição para a composição da mesa e posse do prefeito e do vice-prefeito, com a presença do juiz de Direito da comarca de Rio Brilhante, Dr. Silvio Borba Carrilho de Oliveira. Entre os presentes, destacava-se o Sr. Wilson Barbosa Martins, o deputado federal Rachid Saldanha Derzi, o deputado estadual Martinho Marques, autor do projeto de criação de Bataguassu, o prefeito interino Ladislau Deak Filho e o representante da companhia colonizadora, Sr. João Carlos da Silva. Assim que a solenidade se encerrou o vereador mais velho do município, Pery Barbosa Martins deu início a um movimento em prol da mudança do nome de Bataguassu para Ivinheima, alegando ser mais adequado pela geografia e história local. O vereador passou mais de um mês tentando conquistar adeptos para a ideia, mas não obteve êxito, pois havia unanimidade pelo topônimo original 'Bataguassu'.

BATAGUASSU: “RAINHA DO MATO GROSSO DO SUL”

 
Era assim que a CVSPMT (Companhia de Viação São Paulo Mato Grosso) se referia a Bataguassu quando anunciava em jornais. Esse anúncio, dentre inúmeros veiculou no jornal “Ordem e Progresso”, de 1942. Interessante é que o município ficou conhecido como “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul”.