Sofri assistindo aos
ribeirinhos deixando o Porto XV de Novembro.
O teatro de operações mais parecia despejo.
Como levar saudades?
Como levar lembranças?
Nos caminhões só cabiam meia dúzia de trastes e quinquilharias.
As histórias eram grandes demais para caber nas mudanças.
Aquele monte de gente saudosa era igual a floresta em estado de desmatamento.
Muito difícil cortar os troncos de si e deixar as raízes para trás.
Eram exatamente como retirantes forçados, mutilados...
Quem devolveria os quintais cheios de histórias?
Quem devolveria as estradas velhas sulcadas pelos pescadores?
Não era possível levar as paredes carcomidas pelo tempo, impregnadas de tisna e fuligem.
Não havia como colocar debaixo dos braços as pedras cheias de musgo que jazem ali desde que o mundo surgiu.
Nem as tralhas enferrujadas que se espalham pelos quintais, acumuladas para nada.
Agora eram como pedaços daquelas pessoas...
Cúmplices de tudo.
Como deixar os ninhos das araras?
Como levar as ingazeiras que sobraçavam o rio, onde os pássaros orquestravam as mais belas alvoradas?
Como levar o chão vermelho, cheio de marcas de sucessivas gerações?
Como arrancar o tronco do jatobazeiro, onde o velhinho pitava cachimbo, enfumaçando as crianças nas noites escuras, com causos de medo, de malassombros, de heróis, reis, princesas e malasartes?
Nunca mais verão o ninho sagrado onde os umbigos estão enterrados.
Senhor Presidente da República, por que não investiste em educação e criaste outra forma de geração de energia elétrica?
Como chamar de progresso a mutilação da fauna e da flora?
Como chamar de evolução a temperatura que será alterada e torturará os descendentes como verdadeira estufa?
Por favor, não diga que esses ribeirinhos estão indo para o "Novo Porto XV de Novembro".
Saiba que o porto XV de Novembro só existe ali e não é possível ser transportado para outro lugar.
Diga aos ribeirinhos que eles irão para uma gaiola...
Que não terão mais a sombra das matas nativas, o vento fresco e perfumado pelas florestas, o peixe pescado no fundo do quintal...
O por-do-sol inesquecível na barranca do rio Paraná, ao som dos guinchos dos macacos pulando nas figueiras.
Se Vossa Excelência quiser saber o que sentem os ribeirinhos, pergunte aos passarinhos o que eles sentem nas gaiolas. NOVEMBRO/1999
O teatro de operações mais parecia despejo.
Como levar saudades?
Como levar lembranças?
Nos caminhões só cabiam meia dúzia de trastes e quinquilharias.
As histórias eram grandes demais para caber nas mudanças.
Aquele monte de gente saudosa era igual a floresta em estado de desmatamento.
Muito difícil cortar os troncos de si e deixar as raízes para trás.
Eram exatamente como retirantes forçados, mutilados...
Quem devolveria os quintais cheios de histórias?
Quem devolveria as estradas velhas sulcadas pelos pescadores?
Não era possível levar as paredes carcomidas pelo tempo, impregnadas de tisna e fuligem.
Não havia como colocar debaixo dos braços as pedras cheias de musgo que jazem ali desde que o mundo surgiu.
Nem as tralhas enferrujadas que se espalham pelos quintais, acumuladas para nada.
Agora eram como pedaços daquelas pessoas...
Cúmplices de tudo.
Como deixar os ninhos das araras?
Como levar as ingazeiras que sobraçavam o rio, onde os pássaros orquestravam as mais belas alvoradas?
Como levar o chão vermelho, cheio de marcas de sucessivas gerações?
Como arrancar o tronco do jatobazeiro, onde o velhinho pitava cachimbo, enfumaçando as crianças nas noites escuras, com causos de medo, de malassombros, de heróis, reis, princesas e malasartes?
Nunca mais verão o ninho sagrado onde os umbigos estão enterrados.
Senhor Presidente da República, por que não investiste em educação e criaste outra forma de geração de energia elétrica?
Como chamar de progresso a mutilação da fauna e da flora?
Como chamar de evolução a temperatura que será alterada e torturará os descendentes como verdadeira estufa?
Por favor, não diga que esses ribeirinhos estão indo para o "Novo Porto XV de Novembro".
Saiba que o porto XV de Novembro só existe ali e não é possível ser transportado para outro lugar.
Diga aos ribeirinhos que eles irão para uma gaiola...
Que não terão mais a sombra das matas nativas, o vento fresco e perfumado pelas florestas, o peixe pescado no fundo do quintal...
O por-do-sol inesquecível na barranca do rio Paraná, ao som dos guinchos dos macacos pulando nas figueiras.
Se Vossa Excelência quiser saber o que sentem os ribeirinhos, pergunte aos passarinhos o que eles sentem nas gaiolas. NOVEMBRO/1999
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