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segunda-feira, 5 de junho de 2017

O dia que o Pantanal foi falar com Deus

Cansado de sofrer e preocupado com o que vem acontecendo consigo, o Pantanal foi reclamar a Deus.
Os peixes queriam de volta o tapete de musgo que ficava no leito do rio. Os ovos deixados ali eram pisoteados por turistas, carros esportivos e não eclodiam mais, diminuindo diariamente a fauna aquática.

Sapos, rãs e pererecas estavam revoltados. Antes possuíam a maior orquestra da mata rasteira. Só perdiam para os passarinhos. As lanchas motorizadas e motos aquáticas varreram às margens dos rios, onde ficavam os berços dos girinos.
As onças e jaguatiricas alegaram que as rodovias obstruíram as trilhas que usavam para chegar às suas tocas. A onça velha era a mais chateada.
A raposa disse que estava faminta, pois suas presas eram atropeladas diariamente no asfalto.

As sucuris também alegaram estar famintas, pois com a especulação imobiliária, sumiram os seus alimentos prediletos.
As garças e seriemas disseram que as queimadas escasseavam as larvas e minhocas.
Os tuiuiús não conseguiam se equilibrar nas próprias pernas. Desfrutavam de jejum forçado devido ao sumiço dos peixes.
Capivaras, antas e pacas agiam com desconserto; pareciam enlouquecidas. O desmatamento acabou com os túneis centenários por onde transitavam com segurança.
Os passarinhos apresentaram uma lista de problemas que ia desde caçadores ao corte de palmeiras e árvores frutíferas, fonte de alimentação de todos. Os goivirais já haviam desaparecido da área.
Os macacos fizeram deles as palavas dos passarinhos, com o agravante de reclamar o sumiço dos cipós e árvores que lhes serviam de caminho para transitar nas matas. Agora estavam desprotegidos e seus filhotes diminuíram.

As abelhas também reclamaram que sua prole estava reduzida, que a produção de mel amargava a lotes insignificantes. Estavam tristes, pois muitos dependiam do que elas produziam; muitas empreenderam fuga do Pantanal.
O porco do mato compareceu carregado por outras espécies, pois estava magro demais para o esforço. Como era o mais idoso e sábio, faria colocações muito fundamentadas.
Os jacarés compareceram timidamente. Estavam acostumados a dominar grandes áreas. Agora, mais pareciam lagartixas grandes.
As lontras e ariranhas não foram. Como a sua espécie estava muito reduzida, mandaram um respeitoso bilhete, inclusive pediram desculpas. Preferiram montar guarda para seus filhotes e garantir a sobrevivência da espécie.
O tamanduá falou da escassez de formigas e outros insetos mortos pelo veneno trazido pelo vento. Os aviões espargiam inseticida nas lavouras e atingiam rios, matas e animais. Os peixes aplaudiam a reclamação, pois milhares deles morriam em tais empreendimentos.
O rio Paraguai compareceu representando os demais rios, riachos, córregos e nascentes. Fez abordagens sérias, inclusive que além de receberam esgotos, percebiam líquidos estranhos desaguando em suas áreas. Explicou que estava assoreado e não conseguia cumprir o seu papel natural como antes.
Os ipês-roxos foram escolhidos para representar quase toda a flora da região. Não havia como dizer "toda" porque algumas estavam extintas. Disseram que não conseguiam cumprir com regularidade o papel de refrescar a terra e ajudar na formação de chuvas regulares. As cidades, os pastos e as indústrias causavam assoreamento de igarapés, cavavam esgotos e provocavam danos de todos os tipos. Os ipês-roxos disseram que sentiam-se deprimidos por assistir ao sumiços de insetos, parasitas, trepadeiras, macacos, pássaros e tantas vidas que alegravam as matas. Disseram ser insuportável se restringir a pequenas reservas, sem comunicação com outros habitats, e ver o desaparecimento de mamíferos que não conseguiam sobreviver em espaços tão pequenos.
A terra, o barro e as areias contaram que se sentiam humilhados e, de certo modo, inúteis, sem húmus, viam-se condenados por assorearem os rios, causando mudanças geográficas, inclusive muitas erosões. Fizeram questão de explicar que não eram vilãs, mas vítimas do desmatamento, pois tinham como função natural segurar as terras com suas raízes, dentre outros papéis importantes.
A reunião duraria dois dias, mas como a pauta aumentava a cada discussão, demorou-se uma semana. Toda a fauna e flora sobrevivente compareceu, falou, reclamou e sugeriu. Diferente das reuniões dos homens, esse encontro foi muito respeitoso e organizado, fazendo jus ao quanto a natureza é perfeita.
Deus ouviu atentamente cada espécie.
Encerradas as reivindicações, Ele disse o seguinte, aliás, vou reproduzir literalmente sua fala, pois é é uma sentença muito bonita:
- "Querida Fauna, querida Flora, queridos minerais. Eu criei todo o Cosmo, os planetas e tudo mais que há neles, de maneira que existisse harmonia e equilíbrio entre todos os seres vivos e inanimados como as rochas, as areias,as águas e tudo mais.
Quando fiz o Pantanal, quis reproduzir uma pequenina parte do Jardim do Éden, pois imaginei que todos os homens e mulheres queriam saber como é o Paraíso Celeste, acaso escolhesse o amor como atitude diária.
O Pantanal é o milésimo de um grão de areia comparado ao Paraíso. Eu apenas quis dar a todos os biomas uma característica especial em todo o Planeta.
Infelizmente o homem foi o único ser, dentre milhares, que feriu outras espécies a ponto de até mesmo extinguir muitas.
Tudo o que ofertei ao homem foi gratuito. Só pedi que ele cuidasse, pois somente assim viveria em paz. Escolhi dar-lhe uma inteligência superior a todos os demais animais, justamente para que ele vivesse em paz e em harmonia com a mãe natureza.
Sei que existem alguns homens e mulheres protegendo o Pantanal e outros biomas no mundo inteiro. São pessoas realmente inteligentes e civilizadas. Mas são poucas!
Eu só tenho uma coisa para dizer-lhes:
Não posso fazer nada!
Sei que vos assusto com essas palavras, pois sei que não é o que esperavam ouvir de Mim.
Criei um Planeta perfeito para que o homem fosse o grande protetor, não o seu maior algoz. E ele o é.
Todos os biomas criados por Mim são pequenos pedacinhos do Paraíso na Terra: Pantanal, Serrado, Mata Atlântica, Amazônia, Pampa e Caatinga. Esses são apenas os do Brasil. Há inúmeros por todo o Planeta.
Eu não posso interferir na Terra ao gosto dos homens. Dei-lhes o livre arbítrio. Ofereci-lhes as Escrituras Sagradas como parte da harmonia que deveria construir, mas ele também não compreendeu o bastante.
Observem que tudo o que existe no Pantanal se fez presente ou mandou representantes, menos o homem. Ele parece não ter o mesmo interesse de vocês. Poucos têm buscado inspiração em mim para buscar a paz e a harmonia mundial.
Eu não posso interferir na inteligência dos homem, pois, depois da inteligência Divina, a maior inteligência na Terra é a do homem. Ele sabe que está errado, mas parece escolher sempre o caminho mais largo e fácil.
Mas há uma luz no fim do túnel e só o homem pode resolver. Na realidade eu tenho poder para transformar tudo no que era antes, assim como posso reduzir a pó num milésimo de segundo tudo o que há sobre a Terra. A luz que me refiro é a minha infinita bondade, já que, na Terra, só o homem tem o poder de decidir o caminho que quer seguir. Talvez vocês pensem que estou colocando o homem em situação superior a mim, mas não. Estamos em posições patamares completamente diferentes, assim como a morte é diferente da vida. O que quero e aguardo é que os homens se conscientizem e reconheçam que eles mesmos estão se auto-eliminando da natureza.
Vocês fizeram a parte de vocês. Cabe a eles fazerem a parte deles. O dia que isso acontecer, não apenas o Pantanal, mas todos os biomas e, consequentemente, todo o Planeta voltará a ser Paraíso. JULHO/1996

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