Cansado de sofrer e
preocupado com o que vem acontecendo consigo, o Pantanal foi
reclamar a Deus.
Os peixes queriam de volta o
tapete de musgo que ficava no leito do rio. Os ovos deixados ali eram
pisoteados por turistas, carros esportivos e não eclodiam mais, diminuindo diariamente
a fauna aquática.
Sapos, rãs e pererecas
estavam revoltados. Antes possuíam a maior orquestra da mata
rasteira. Só perdiam para os passarinhos. As lanchas motorizadas e
motos aquáticas varreram às
margens dos rios, onde ficavam os berços dos girinos.
As onças e jaguatiricas
alegaram que as rodovias obstruíram as trilhas que usavam para
chegar às suas tocas. A onça velha era a mais chateada.
A raposa disse que estava
faminta, pois suas presas eram atropeladas diariamente no asfalto.
As sucuris também alegaram
estar famintas, pois com a especulação imobiliária, sumiram os
seus alimentos prediletos.
As garças e seriemas
disseram que as queimadas escasseavam as larvas e minhocas.
Os tuiuiús não conseguiam se
equilibrar nas próprias pernas. Desfrutavam de jejum forçado devido
ao sumiço dos peixes.
Os passarinhos apresentaram
uma lista de problemas que ia desde caçadores ao corte de palmeiras
e árvores frutíferas, fonte de alimentação de todos. Os goivirais
já haviam desaparecido da área.
Os macacos fizeram deles as
palavas dos passarinhos, com o agravante de reclamar o sumiço dos
cipós e árvores que lhes serviam de caminho para transitar nas
matas. Agora estavam desprotegidos e seus filhotes diminuíram.
As abelhas também reclamaram
que sua prole estava reduzida, que a produção de mel amargava a
lotes insignificantes. Estavam tristes, pois muitos dependiam do que
elas produziam; muitas empreenderam fuga do Pantanal.
O porco do mato compareceu carregado por outras espécies, pois estava magro
demais para o esforço. Como era o mais idoso e sábio, faria
colocações muito fundamentadas.
Os jacarés compareceram
timidamente. Estavam acostumados a dominar grandes áreas. Agora,
mais pareciam lagartixas grandes.
As lontras e ariranhas não
foram. Como a sua espécie estava muito reduzida, mandaram um
respeitoso bilhete, inclusive pediram desculpas. Preferiram montar
guarda para seus filhotes e garantir a sobrevivência da espécie.
O tamanduá falou da escassez
de formigas e outros insetos mortos pelo veneno trazido pelo vento.
Os aviões espargiam inseticida nas lavouras e atingiam rios, matas e
animais. Os peixes aplaudiam a reclamação, pois milhares deles
morriam em tais empreendimentos.
O rio Paraguai compareceu
representando os demais rios, riachos, córregos e nascentes. Fez
abordagens sérias, inclusive que além de receberam esgotos,
percebiam líquidos estranhos desaguando em suas áreas. Explicou que
estava assoreado e não conseguia cumprir o seu papel natural como
antes.
Os ipês-roxos foram
escolhidos para representar quase toda a flora da região. Não havia
como dizer "toda" porque algumas estavam extintas. Disseram
que não conseguiam cumprir com regularidade o papel de refrescar a
terra e ajudar na formação de chuvas regulares. As cidades, os
pastos e as indústrias causavam assoreamento de igarapés, cavavam
esgotos e provocavam danos de todos os tipos. Os ipês-roxos
disseram que sentiam-se deprimidos por assistir ao sumiços de
insetos, parasitas, trepadeiras, macacos, pássaros e tantas vidas
que alegravam as matas. Disseram ser insuportável se restringir a
pequenas reservas, sem comunicação com outros habitats, e ver o
desaparecimento de mamíferos que não conseguiam sobreviver em
espaços tão pequenos.
A terra, o barro e as areias
contaram que se sentiam humilhados e, de certo modo, inúteis, sem
húmus, viam-se condenados por assorearem os rios, causando mudanças
geográficas, inclusive muitas erosões. Fizeram questão de
explicar que não eram vilãs, mas vítimas do desmatamento, pois
tinham como função natural segurar as terras com suas raízes,
dentre outros papéis importantes.
A reunião duraria dois dias,
mas como a pauta aumentava a cada discussão, demorou-se uma semana.
Toda a fauna e flora sobrevivente compareceu, falou, reclamou e
sugeriu. Diferente das reuniões dos homens, esse encontro foi muito
respeitoso e organizado, fazendo jus ao quanto a natureza é
perfeita.
Deus ouviu atentamente cada
espécie.
Encerradas as reivindicações,
Ele disse o seguinte, aliás, vou reproduzir literalmente sua fala,
pois é é uma sentença muito bonita:
Quando fiz o Pantanal, quis
reproduzir uma pequenina parte do Jardim do Éden, pois imaginei que
todos os homens e mulheres queriam saber como é o Paraíso Celeste,
acaso escolhesse o amor como atitude diária.
O Pantanal é o milésimo de
um grão de areia comparado ao Paraíso. Eu apenas quis dar a todos
os biomas uma característica especial em todo o Planeta.
Infelizmente o homem foi o
único ser, dentre milhares, que feriu outras espécies a ponto de
até mesmo extinguir muitas.
Tudo o que ofertei ao homem
foi gratuito. Só pedi que ele cuidasse, pois somente assim viveria
em paz. Escolhi dar-lhe uma inteligência superior a todos os
demais animais, justamente para que ele vivesse em paz e em harmonia
com a mãe natureza.
Eu só tenho uma coisa para
dizer-lhes:
Não posso fazer nada!
Sei que vos assusto com essas
palavras, pois sei que não é o que esperavam ouvir de Mim.
Criei um Planeta perfeito
para que o homem fosse o grande protetor, não o seu maior algoz. E ele o é.
Todos os biomas criados por
Mim são pequenos pedacinhos do Paraíso na Terra: Pantanal, Serrado,
Mata Atlântica, Amazônia, Pampa e Caatinga. Esses são apenas os do
Brasil. Há inúmeros por todo o Planeta.
Eu não posso interferir na
Terra ao gosto dos homens. Dei-lhes o livre arbítrio. Ofereci-lhes as Escrituras Sagradas como parte
da harmonia que deveria construir, mas ele também não compreendeu o
bastante.
Observem que tudo o que
existe no Pantanal se fez presente ou mandou representantes, menos o homem. Ele parece não
ter o mesmo interesse de vocês. Poucos têm buscado inspiração em
mim para buscar a paz e a harmonia mundial.
Mas há uma luz no fim do
túnel e só o homem pode resolver. Na realidade eu tenho poder para
transformar tudo no que era antes, assim como posso reduzir a pó num
milésimo de segundo tudo o que há sobre a Terra. A luz que me
refiro é a minha infinita bondade, já que, na Terra, só o homem
tem o poder de decidir o caminho que quer seguir. Talvez vocês
pensem que estou colocando o homem em situação superior a mim, mas
não. Estamos em posições patamares completamente diferentes, assim
como a morte é diferente da vida. O que quero e aguardo é que os
homens se conscientizem e reconheçam que eles mesmos estão se
auto-eliminando da natureza.
Vocês fizeram a parte de
vocês. Cabe a eles fazerem a parte deles. O dia que isso acontecer,
não apenas o Pantanal, mas todos os biomas e, consequentemente, todo
o Planeta voltará a ser Paraíso. JULHO/1996
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