Muito
ponche, salgadinhos, LP's de vinil girando numa radiola, conversa
jogada fora, risadas e alegria. Essa era a tônica das festas
americanas da Bataguassu da minha adolescência. Não sei se foi
exclusividade da minha geração ou ioiô de modismos, mas foi algo
viral na minha época de adolescente. E como ninguém é adolescente
sozinho, quase todos se revezavam na organização dessas festas
cobiçadas.
Embora
não havia nada de negativo nesses eventos, nem todos os pais cediam
espaço e tampouco permitiam que os filhos o apreciassem. A
autorização dependia da cultura de cada família. Nem todos eram
abertos para receber um monte de adolescentes em suas casas até a
meia-noite. O horário não passava disso.
Às vezes até menos.
Normalmente
o espaço utilizado era a sala ou a varanda. Por mais que fosse algo
ingênuo – comparado a muita coisa que vemos hoje – alguns pais
a interpretavam como invencionice boba de jovem. Coisa de "gente
rebelde que dita moda degradante para ferir a honra e a moral da
família" (pensariam assim?!). Imagine se tais pais vissem uma
balada regada a comprimidos de êxtase e
cocaína como acontece tantas por aí, muitas vezes com consequências
terríveis.
Mas
voltando ao assunto, tais festas pediam organização prévia. O
primeiro passo era um anfitrião (ou anfitriã) para recepcionar os
amigos. Depois fazia-se uma lista de comes-e-bebes, e cada um dava um
produto. Era só esperar pela noite. O ponche era preparado pelas
meninas à tarde para que a bebida adquirisse uma delicada
fermentação. Se feito na hora não tinha gosto. A fermentação
branda das frutas emprestava um sabor especial à bebida, agravando o
teor alcoólico. Mas como a quantidade de vinho era muito reduzida,
ninguém ficava bêbado, por mais que as
bochechas esquentassem. Apenas os salgados eram preparados por
último.
O
ponche era feito com vinho misturado em água, açúcar
e pequena variedade de frutas picadas. Quase sempre se usava uva,
laranja, maçã e abacaxi. Algumas pessoas eram cuidadosas e picavam
em tamanhos minúsculos. Outras deixavam nacos imensos. Havia quem o
preparasse de modo mais sofisticado,
acrescentando champanhe, suco de laranja ou limão. A iguaria era
preparada em caldeirões ou panelões grandes de alumínio. Na hora
de servir, colocava-se em vasilhas mais apresentáveis,
abastecendo-as à medida que iam sendo consumido. Alguns nem se
importavam em servir ali mesmo no balde.
Ao
lado da vasilha do ponche, sobre um prato, ficava uma concha usada
para retirar a bebida. Às vezes disponibilizavam uma vasilha
paralela, com gelo. Outros já despejavam o gelo assim que preparavam
a bebida. Desse jeito quem vinha por último tomava uma espécie de
garapa.
Outro
atrativo da "festa americana" era os salgadinhos.
Normalmente os participantes levavam bandejas com coxinha ou
pastelzinho. Não passava disso. Algumas
meninas – prendadas – faziam com muito capricho, outras deixavam
a massa semelhante à sola de sapato, quando não, salgavam demais.
Mas tudo se resolvia com um gole de ponche. O ponche era o principal
de uma "festa americana", por isso se fazia em grande
quantidade. Quem organizasse uma festa com pouco ponche passava
vergonha. Lembro-me de uma festa em que flagrei um grupo criticando a
anfitriã, suspeitando que a mesma havia ficado com parte das frutas
e feito o ponche com a metade do que foi arrecadado.
Mas
não acaba aí. A "festa americana" era uma desculpa para
uma cidade sem danceteria. Não existia a “Badallus Club”. Na
realidade, era como fazer da casa alheia a sua pista de dança, ou a
sua discoteca, danceteria etc. Nesses embalos de sábado à noite as
agulhas das radiolas sulcavam Olívia Newton John, Menudo, John
Travolta, Pholhas, Bee Gees etc etc etc. Acontecia também de o
participante chegar com um LP debaixo do braço. Nesse ponto a festa
era bem democrática. Engraçado era quando um disco arranhado
empacava exatamente na melhor música. Ficava repetindo um trecho até
que alguém corresse até a vitrola e passasse para a
próxima faixa.
Um
detalhe curioso desses momentos descontraídos era o fato de o som
não ser alto. As próprias radiolas nem permitiam o som explosivo
como se vê nas baladas atuais. A vantagem era que isso permitia aos
jovens dançar e conversar numa boa, sem gritar. Havia uma química
saudável entre o som e a conversa. E obviamente não se incomodava
os vizinhos.
Uma
grande anfitriã de “festa americana”
em Bataguassu foi a senhora Deise do Amaral Campos Prieto, a qual
tinha uma mente jovem e acolhia a todos com simpatia e delicadeza. O
interessante nesses momentos descontraídos era a aura familiar e
saudável. Os pais – ou as pessoas mais velhas – permaneciam no
evento com naturalidade, ocupados em algum afazer ou em ambientes
mais reservados, assistindo TV.
E
foi nessa "efervescência cultural" que muitos namoros
surgiram. Alguns até findaram em marcha nupcial. Houve quem
"fugisse" da festa americana para o início de uma vida
conjugal. No outro dia as línguas tilintavam nos céus das bocas:
"... a filha de fulano fugiu!"
Oh!
Mas,
depois, tudo se resolvia. Muitos "casamentos fugidos"
duram até hoje (creio), em detrimento de casamentos feitos nos
moldes tradicionais, diluídos com o tempo. E também foi nessas
festas que muitas amizades surgiram e se fortaleceram até os dias
atuais.
Certo
dia apareceu em Bataguassu a "Danceteria Badall'us Club" e
pôs abaixo as festas americanas... não teve mais graça fazê-la.
Quem iria concorrer com um espaço, moderno, jovem, e cheio de
novidades?
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